Apple tenta patentear publicidade integrada aos aparelhos
A Apple descreve seus produtos como “algumas das tecnologias mais queridas do planeta” em suas campanhas de recrutamento de novos funcionários, mas uma nova tecnologia publicitária desenvolvida pela empresa pode perturbar esse amor dos consumidores pelos produtos de Steve Jobs.
Em pedido de patente apresentado no ano passado ao Serviço de Patentes e Marcas Registradas dos Estados Unidos, a Apple está procurando patentear uma tecnologia que permitiria exibir publicidade em praticamente qualquer forma de tela: computadores, celulares, televisores, players de mídia, aparelhos de videogame e outros bens de consumo eletrônico.
Fazer um pedido de patente não significa, claro, que a empresa pretende empregar a tecnologia. Mas o pedido demonstra que, no mínimo, a Apple investiu em pesquisas para desenvolver o que classifica como “rotina compulsória” com o objetivo de submeter os usuários de eletrônicos a publicidade que talvez não desejem assistir.
O traço característico do sistema é um design que não simplesmente convida um usuário a dedicar atenção a um anúncio, mas o força a fazê-lo. A tecnologia poderia congelar o aparelho até que o usuário aperte um botão ou responda a uma pergunta de teste para demonstrar que dedicou atenção à mensagem comercial. Porque essa tecnologia estaria incorporada aos sistemas centrais do aparelho, os anúncios poderiam aparecer na tela a qualquer momento, não importa a atividade em exercício.
O sistema também conta com uma versão para players de música, que inseriria comerciais com um comando auditivo para que o usuário aperte determinado botão, a fim de confirmar sua atenção.
Os inventores afirmam que essa forma de publicidade permitiria que computadores e outros eletrônicos fossem oferecidos gratuitamente ou por preço baixo aos consumidores. Em troca, eles aceitariam ver os anúncios. Caso, no futuro, os usuários passassem a considerar que os testes de atenção e anúncios incomodam demais, poderiam pagar para livrar o aparelho de publicidade, em caráter temporário ou permanente.
Quem teria adivinhado que a Apple, tão reverenciada, procuraria patentear uma engenhoca não muito diferente dos truques usados para vender imóveis em timeshare? (Se você aceitar participar do seminário de vendas, ganha um final de semana de viagem!) Ou será que alguém imaginaria que a Apple de 2009, uma companhia de produtos premium, pediria patente sobre um descendente tardio dos produtos da Free PC e ZapMe, empresas que, em 1999, distribuíam gratuitamente computadores programados para exibir publicidade em suas telas de forma contínua?
O que o pedido de patente chama de “rotina compulsória” envolve ministrar testes periódicos, como por exemplo um botão de resposta em uma caixa de pop-up, que teria de ser apertado durante cinco segundos e depois desapareceria, com o objetivo provar que o usuário estava prestando atenção ao anúncio.
Esses testes “podem se tornar cada vez mais agressivos caso o usuário falhe em um teste anterior”, afirma o pedido de patente. Uma das opções reduz mais e mais o tamanho da caixa de resposta, o que requereria maior concentração para localizá-la e eliminar o anúncio. Ou o sistema poderia requerer que o usuário usasse combinações variáveis de telas, a data corrente ou o nome do anunciante, quando assim instruído, o que demonstraria uma vez mais “a presença de um usuário atento”.
Tudo que essa tecnologia acarreta parece tão contrário aos princípios de orientação da Apple que é inevitável perguntar se Steven Jobs está informado do pedido de patente de sua empresa para algo assim. A Apple tem 34,3 mil funcionários, e Jobs, ainda que eleito como “o presidente executivo da década” pela mais recente edição da revista Fortune, certamente não deve estar informado sobre tudo que os funcionários de sua companhia fazem.
Mas a verdade é que Jobs está diretamente conectado a esse pedido de patente: o nome dele é o primeiro na lista de cinco inventores mencionados. Isso é uma raridade, e ocorre apenas quatro vezes entre os 30 aplicativos dos quais ele é co-inventor e cujos pedidos de patente foram divulgados pelas autoridades americanas de março de 2008 até hoje.
Como Jobs consegue conciliar essa tecnologia publicitária e a cultura da Apple é difícil imaginar. Uma porta-voz da empresa se recusou a responder perguntas sobre o pedido de patente.
A Microsoft também está trabalhando para colocar publicidade em lugares onde antes ela não existia. No caso da gigante do software, os planos são definidos: no ano que vem, ela oferecerá o Office Starter 2010, uma versão gratuita do Office que será vendida já instalada em alguns computadores. Ela incluirá um pequeno display da empresa no canto inferior direito da tela, e oferecerá apenas as versões mais básicas dos programas Word e Excel, com menos funções do que no caso das versões completas, pagas.
Não será a primeira vez que a Microsoft estará experimentando com anúncios no software instalado em computadores – a companhia começou a fazê-lo discretamente, em junho de 2007, com uma versão do Microsoft Works.
No Office Starter 2010, a Microsoft não tentará obter receita com os anúncios, e usará o display publicitário apenas para divulgar as versões plenas dos programas. A companhia planeja levar os usuários consigo “em uma viagem de educação sobre o potencial dos nossos produtos”, disse Bryson Gordon, um dos diretores da equipe de Office da Microsoft.
Ao permitir que os usuários ignorem os anúncios, já que estes ficarão posicionados passivamente em um cantinho da tela, a Microsoft parece estar optando pela persuasão gentil e não pelo marketing agressivo.
A abordagem apresentada pela Apple em seu pedido de patente nada tem de gentil. Pior: é um caso claro de visão curta. Caso a empresa venha a utilizar a nova tecnologia, seria difícil imaginar que as versões gratuitas de seus produtos, bancadas por publicidade, não tenham impacto negativo sobre a marca da empresa.
A tecnologia pode parecer inteligente e original o bastante para valer uma patente para a Apple. Mas os produtos resultantes provavelmente serão mais irritantes que amados.
Tradução: Paulo Migliacci ME
Categoria: Lançamentos, Notícias