Permanecer no nicho ou avançar as fronteiras?

| 16/11/2009 - 22:10 PM | Comentários (0)

A paulista Vera Rosenthal e suas irmãs Nidia e Claudia acreditam que a Casa Eurico — loja especializada em calçados de numeração alta — pode crescer muito mais rápido que no ritmo atual. Mas elas estão em dúvida se, para isso, deveriam também passar a vender sapatos de todos os tamanhos

Daniela Toviansky
Vera Rosenthal, com as irmãs Nidia e Claudia: dúvidas em relação ao futuro do negócio fundado pelo avô

Por Carolina França

Há uma característica em comum entre as cerca de 300 pessoas que todas as semanas entram numa das duas lojas da Casa Eurico, de São Paulo — todas têm os pés grandes. A empresa, que vende apenas calçados de tamanhos maiores que os geralmente encontrados no comércio, é uma referência para esse público. À frente da Casa Eurico estão Vera Rosenthal, de 51 anos, e suas irmãs Nidia, de 50, e Claudia Rosenthal, de 45. Elas contam com um público fiel e a presença num nicho com poucos competidores. Para este ano, a estimativa de faturamento é 5 milhões de reais — 3% mais que em 2008. “Estamos em busca de novos caminhos para crescer mais”, diz Vera. “Não sabemos, no entanto, se é melhor continuar a explorar o mercado em que já estamos ou diversificar a linha de calçados para atender todo tipo de consumidor.”

As irmãs Rosenthal começaram a trabalhar na empresa da família nos anos 80, quando a marca se posicionou como especialista em calçados de modelagem grande. Elas assumiram o comando há quatro anos e fazem parte da terceira geração à frente do negócio, fundado há 70 anos pelo imigrante alemão Erich Rosenthal, avô delas, já falecido. Na época, Erich — que no Brasil era chamado de Eurico — tinha uma pequena loja de calçados na região de Santo Amaro, bairro da zona sul de São Paulo. Um dia, comprou um lote com as numerações 43 e 44 de uma fábrica prestes a falir, só porque estava muito barato. Para surpresa dele — que calçava 38 –, os calçados se esgotaram rapidamente. A partir daí, Erich passou a dar mais espaço nas prateleiras para sapatos para quem calça números maiores.

Hoje, nos estoques da Eurico, há cerca de 1 800 modelos — todos com numeração acima de 39, para mulheres, e 44, para homens –, entre tênis, botas, mocassins, sandálias e chinelos. Eles também são vendidos por um site, que responde por 12% das receitas. As duas lojas físicas estão em bons pontos do comércio de rua paulistano — uma no bairro de Moema, na zona sul da cidade, e outra na rua Oscar Freire, referência do varejo de elite.

As irmãs acreditam que, para expandir a Casa Eurico no mercado atual, será preciso ampliar a rede com ao menos mais uma loja. “Alguns clientes reclamam que comprariam mais se tivessem de se deslocar menos”, diz Nidia. A principal vantagem de expandir sem mudar o modelo de negócio é crescer num mercado já conhecido e com poucos concorrentes.

Por outro lado, seria preciso continuar a enfrentar uma grande dificuldade. “Vivemos uma batalha diária para oferecer uma boa variedade de itens”, diz Claudia. A maioria dos grandes fornecedores de calçados tem de fabricar os tamanhos maiores quase que exclusivamente para a Casa Eurico — o que significa custo alto. A alternativa é comprar de pequenos fabricantes, que produzem determinados modelos com a marca da loja. “Para ter escala, temos de lidar com cerca de 140 fornecedores”, diz Claudia. “Não é fácil trabalhar com uma cadeia de suprimentos tão pulverizada.” Se a expansão envolvesse a venda de sapatos grandes fora de São Paulo, a logística toda ficaria ainda mais complicada.

A outra opção é aproveitar a loja da Oscar Freire, frequentada por consumidores de alto poder aquisitivo, para começar também a vender sapatos de tamanho convencional. “A intenção não é abandonar o mercado de calçados grandes, mas diversificar e aproveitar melhor o ponto”, diz Nidia. “A desvantagem é que aquela área já está ocupada por diversas outras lojas do mesmo ramo, sem contar as de roupa que também vendem sapatos de suas marcas.”

Para ajudar as irmãs Rosenthal a decidir, EXAME PME ouviu Marcos Andrade (dono da Expor, que produz manequins para o varejo de moda), Bianca Borges (sócia da rede carioca de calçados Andarella) e Sonia Bittar (diretora do Data Popular, instituto de pesquisas de mercado). Leia, a seguir, o que cada um recomenda.
O DILEMA
1. Crescer com o foco em numerações altas
Vantagem: Os sapatos grandes são um mercado bem conhecido pelas sócias e quase não existe concorrência
Desvantagem: Continuar a lidar com uma cadeia complexa de abastecimento, que envolve cerca de 140 pequenos fabricantes que produzem com a marca da empresa

2. Avançar no mercado de calçados em geral
Vantagem: Aproveitar a boa localização de uma das lojas para vender sapatos normais a consumidores de alto poder aquisitivo
Desvantagem: Ter de traçar uma estratégia para enfrentar uma grande quantidade de concorrentes que já atendem os consumidores de sapatos de tamanho convencional

Germano Lüders
Marcos Andrade, sócio da fabricante de manequins Expor

Vender mais para o mesmo cliente
Solução: Crescer com o foco em numerações altas (1)

As donas da Casa Eurico não podem desperdiçar o grande ativo conquistado ao longo de todos esses anos de vida — conhecer muito bem seus consumidores, as pessoas com pés grandes, que precisam de sapatos com numeração alta. Elas devem estudar formas de aumentar as receitas vindas desse público específico em vez de buscar outros perfis de clientes. A segunda opção demandaria estudar muito bem o mercado calçadista como um todo para, no fim das contas, dificilmente encontrar algo diferente a oferecer que seja tão expressivo como o que elas já têm.

As sócias devem manter o foco na venda atual e, ao mesmo tempo, ampliar o número de acessórios nas lojas — independentemente de serem voltados para o público de pé grande ou não. Podem ser produtos para polir o couro dos sapatos, calçadeiras, meias, cadarços ou mesmo bolsas, cintos e maletas que, eventualmente, chamem a atenção das pessoas que acompanham os consumidores habituais da Casa Eurico. O objetivo é aumentar o valor da venda por cliente, fazendo com que ele saia da loja com outros itens além do sapato.

Marcelo Correa
Bianca Borges, sócia da rede carioca de calçados Andarella

Divulgar amplamente a marca
Solução: Crescer com o foco em numerações altas (1)

Existe uma demanda reprimida por sapatos de numeração alta. Eu mesma observo com frequência nas lojas da Andarella clientes em busca desse tipo de produto — e nem sempre temos como atendê-lo. Ao mesmo tempo, não conhecia empresas especializadas. Até ser procurada pela reportagem de EXAME PME para opinar sobre esse caso, nunca tinha ouvido falar da Casa Eurico, embora eu trabalhe com sapatos há anos. Por isso, se as irmãs Rosenthal conseguiram construir uma marca especializada em atender esse público, elas deveriam investir em marketing para divulgá-la bem. É mais fácil, para elas, tornar-se referência num mercado pouco explorado do que conquistar alguma relevância num espaço já disputado por vários concorrentes. A Casa Eurico também poderia aproveitar melhor o alcance do comércio eletrônico. É preciso divulgar o site para tornar a loja virtual mais conhecida. Imagine quantos consumidores no Brasil que não conhecem a empresa poderiam passar a adquirir seus produtos pela internet. É verdade que comprar sapatos sem experimentar é um obstáculo. Mas clientes com pés grandes que simplesmente não encontram calçados adequados em suas regiões podem não ter nada a perder, sobretudo se for estipulada uma política eficiente de trocas e devoluções.

Fabiano Accorsi
Sonia Bittar, diretora do instituto de pesquisas de mercado Data Popular

Entrar em novos canais de vendas
Solução: Crescer com o foco em numerações altas (1)

U ma empresa como a Casa Eurico, que já atua em um mercado específico há tanto tempo, pode encontrar diversas formas de crescer sem mudar o foco de atuação. Tentar vender calçados de todos os tamanhos definitivamente não deveria ser a opção escolhida pelas sócias. Uma estratégia interessante é aproveitar canais de vendas já bem estruturados, como cadeias de lojas de roupas, magazines e até outras redes de calçados, para aumentar a abrangência da marca. As sócias poderiam, por exemplo, desenvolver quiosques da Casa Eurico para esses estabelecimentos. A distribuição dos produtos deve ser planejada de acordo com o tipo de negócio de cada um desses canais. Por exemplo: nas redes especializadas em materiais esportivos, é possível ter um espaço da Casa Eurico apenas com tênis de modelagem grande. A mesma lógica pode ser empregada em lojas que alugam roupas de festa, artigos para adolescentes, uniformes para empregados e assim por diante.

Acredito que não seria difícil criar parcerias com essas empresas, pois são boas as chances de que os sapatos grandes estejam fazendo falta no catálogo delas. Tudo isso aumentaria o volume de comercialização dos calçados da Casa Eurico, trazendo escala para cada modelo, o que ajudaria bastante a negociar com os fornecedores. Antes de definir a abrangência dessa estratégia, as sócias devem tentar entender melhor qual é o real potencial de crescimento desse mercado no Brasil para se expandir de forma estruturada. Não há estatísticas disponíveis para consulta sobre o mercado de calçados para pés grandes no país. Quem mais revende os calçados de alta numeração além da Casa Eurico? Em quantas unidades? Para quantas empresas esses produtos são oferecidos? Há regiões do país em que, eventualmente, eles teriam mais saída? Um ponto de partida para as sócias conseguirem essas informações é sentar com os próprios fornecedores e ter uma boa conversa com eles.

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Categoria: Cases

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