Conflitos de canais ainda dificultam as operações on-line no Brasil, afirma especialista
Estender as operações de vendas para outros canais, como o e-commerce, por exemplo, já se tornou uma prática bastante comum no atual mercado de varejo, pois é natural que as empresas em algum momento de sua trajetória busquem novas formas de expandir suas vendas, conquistar novos mercados e elevar sua receita. No entanto, analisar este movimento superficialmente pode acabar escondendo um lado obscuro da multicanalidade: os conflitos de canais, um problema que corrói as pequenas, médias e grandes empresas.
De acordo com Ricardo Daumas, especialista que atua pela Soslaio Projetos e Soluções, desenvolvendo e aplicando soluções para varejo, consumo e comércio eletrônico, um dos primeiros indícios ocasionados pelos conflitos de canais é perda de competitividade, pois, em grande parte das vezes, as características e demandas de cada meio não são respeitadas. “Nós não estamos em um mercado econômico homogêneo. As demandas são muito diferentes quando observamos os segmentos e o perfil demográfico do consumidor. Mesmo em segmentos muito competitivos, como o de eletrodomésticos e eletrônicos, por exemplo, vamos encontrar regiões e nichos de consumidores que ainda não têm sequer acesso a uma oferta diversificada a de produtos e nem disponibilidade fácil de crédito, logo, estão submetidos às ofertas disponíveis praticadas por fornecedores locais, e que não são necessariamente competitivas. Isso tem um limite que vai ser atingido na medida em que o consumidor aumenta a sua capacidade de escolher e discernir entre o bom e o mau serviço, e comparar preços. Isso está acontecendo rapidamente nos mercados mais concorridos, onde a grande maioria dos consumidores já pode e sabe como buscar uma melhor oferta de produtos e serviços de forma rápida. Neste aspecto, as empresas que conseguem apresentar melhor seus serviços e ofertas em diferentes canais matematicamente oferecem mais, cobrem mais e melhor as demandas do consumidor, e com isso ganham espaço sobre as que resistem a ignorar o fato ”, evidencia.
Ele acrescenta que esta perda de competitividade tem reflexo direto nas vendas, participação no mercado e rentabilidade da empresa. “Se a sua eficiência ou atratividade é menor em qualquer dos canais, seja lojas físicas, e-commerce, vendas diretas ou catálogo, o lojista está perdendo venda, mercado e provavelmente rentabilidade. Na medida em que os canais se diversificam e o consumidor os assumem como bons para ele, o comerciante tem que ser eficiente e estar presente no maior número possível de opções, a menos que tenha um produto exclusivo e de grande aceitação, o que não retrata a situação clássica do varejo”, considera Daumas.
Principais pontos do conflito
Na visão do executivo, existem dois grandes causadores dos conflitos de canais. “O primeiro é interno, de todos os que se sentem afetados pelo novo canal – vendedores, compradores, diretores de área e funcionários de áreas compartilhadas como financeiro, jurídico, etc…, ou, que sentem-se sobrecarregados ou prejudicados em termos de performance, como um novo concorrente direto. Por isso, antes de adotar novas práticas é importante inserir a cultura digital à cultura da empresa. Ao contrário, algumas varejistas optam por desenvolver o novo canal quase em segredo, só revelando o necessário, o que aumenta a ansiedade, insegurança e, consequentemente, diminui a disposição de colaboração de todos. Isso fica menos frequente à medida que o grupo de funcionários evolui como consumidor dos meios digitais e compreende naturalmente o processo. Este ainda é um grande entrave, principalmente para as empresas menos organizadas”, enfatiza.
Outro motivo é a falta de entendimento da empresa, de que no canal on-line os benefícios ao consumidor devem ser ainda maiores, o que significa muitas vezes, oferecer serviços, preços, entre outros, diferenciados do canal físico, aponta. “O que o cliente espera ao ver sua empresa preferida na internet é que ela ofereça tudo aquilo que ele está acostumado a ter nos meios tradicionais acrescidos das ofertas naturais do mercado de e-commerce. Ele vai passar a comparar a sua empresa não apenas com os seus concorrentes tradicionais, mas também, com todas as empresas do comércio eletrônico operando no varejo e em qualquer outro setor. A expectativa em termos de preços, qualidade de informações, agilidade etc, vai aumentar e irá desencadear diferenças no padrão do seu negócio tradicional, que terão que ser, na medida do possível, absorvidas”, reforça Daumas.
No entanto, na opinião do especialista, os conflitos de canais nem sempre são uma questão de timidez ou covardia empresarial, mas algo arraigado na cultura do varejista brasileiro que é o empreendedor familiar. Segundo ele, são empresas que cresceram em diferentes ritmos, mas quase nunca investindo em infraestrutura e organização. “Estamos falando ainda de coisas básicas como registros contábeis, processos logísticos e de estoque, compras, relacionamento com clientes e fornecedores. Soma-se a isso todas as mudanças que os meios digitais e eletrônicos proporcionaram na gestão das empresas e nas relações humanas em geral nos últimos 15 anos. Introduzir novos processos não é simplesmente fazer alguma coisa nova, é integrar esse novo com todo o seu passado, o que implica numa revisão de processos e práticas quase que integral. Mesmo em grandes grupos a dúvida nestes momentos se concentra em fazer adaptações ou renovar tudo, e aí entra uma análise de capacidade de investimento e disponibilidade de mobilização que é fundamental. Quando bem sucedida, transforma a empresa em um competidor capacitado a crescer e a ocupar espaço na nova economia, mas, há de se ter determinação corporativa neste momento, conscientizar e mobilizar a todos. De fato, não é um processo simples, porém, o único erro nesse momento é ignorar esta necessidade e não fazer coisa alguma, pois nestes casos a perda da competitividade é só uma questão de tempo”, assegura Daumas.
Apesar de não ser uma tarefa simples, o segredo para não vivenciar esse tipo de experiência e manter a harmonia entre os canais, e o sucesso das operações on-line, é, segundo o especialista, se empenhar para oferecer ao consumidor mais do que ele já recebia, sem aumentar seus custos e estrutura, integrando os serviços disponíveis em todos os canais. Desta forma sua percepção de bom atendimento e valor de benefícios como consumidor, certamente irá aumentar, garante. “Existe aí uma questão estratégica, que é a de optar por integrar os canais ou não, fazer um canal de e-commerce com ofertas e condições exclusivas capaz de competir e superar os demais, sem a preocupação de oferecer o mesmo portfólio de ofertas e serviços nas lojas. É uma opção cara, rápida e que exige excelência de estrutura e expertise no segmento. A opção da integração é de crescimento mais lento, porém consistente e definitivo, mas que também exige um domínio completo das habilidades necessárias e dos fatores decisivos para o êxito. Nenhuma solução é simples, mas devemos encarar isso como uma vantagem”, recomenda.
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