Guerra dos preços na Internet intensifica-se
Em algumas páginas de comércio electrónico que vendem produtos como televisões, câmaras digitais e jóias, uma parte essencial de informação está visivelmente ausente: o preço.
Para ver quanto custam estes artigos, os compradores têm de acrescentar o produto ao seu carrinho de compras – na realidade, têm que levá-lo à caixa registadora virtual para terem direito ao preço.
A falta do preço é parte de uma batalha maior que está a varrer o mundo do comércio electrónico. Desconfiadas da tendência da Internet para baixar implacavelmente os preços, as grandes marcas – e, agora, os editores livreiros – estão a ripostar, pondo em acção uma variedade de tácticas e ferramentas para controlar a forma como o seus produtos são apresentados e apreçados online.
“Estamos a ver empresas de todos os tipos a testar as águas” com estratégias para controlar a marcação de preços online, explica Christopher Sprigman, professor assistente de propriedade intelectual na Universidade de Direito da Virginia, Estados Unidos, e antigo advogado antitrust no Departamento de Justiça. “Elas acham que, agora, têm mais liberdade para o fazer.”
Em muitos casos, essa liberdade deriva de uma decisão de 2007 do Supremo Tribunal no caso da Leegin Creative Leather Products versus PSKS. A decisão deu aos fabricantes um espaço de manobra consideravelmente maior para ditar os preços de retalho, o que antes era considerado uma violação da lei antitrust, e estabeleceu uma elevada barreira legal aos retalhistas para estes provarem que isso é mau para os consumidores.
Desde que a decisão foi tomada, os retalhistas dizem que os fabricantes tornaram-se mais agressivos no que diz respeito a uma ferramenta em particular: a proibição dos retalhistas em publicitar os seus produtos por um valor inferior ao preço certo.
Para retalhistas offline como as lojas Wal-Mart ou a Best Buy, isto significa que não podem baixar esses preços nos panfletos ou em anúncios de jornais. Porém, os retalhistas online carregam um fardo maior. Os fabricantes consideram que as páginas de produtos em sites como eBay ou a Amazon são anúncios, e queixam-se sempre que os sites de comércio electrónico colocam preços abaixo do preço mínimo. Isto leva a que os sites substituam os preços por notas que dizem coisas como “Para ver o nosso preço, acrescente este item ao seu carrinho de compras”. Na semana passada, houve um dia em que faltavam preços no Amazon.com para um conjunto de produtos, como o berbequim Milwaukee Sub-Compact Driver, o relógio de homem Esperanza da Movado e o amplificador de sinal Onkyo 7.2.
Como resultado, esses preços não apareciam em sites de busca como o Google Product Search e PriceGrabber.com. A tendência enfraqueceu acentuadamente uma das promessas implícitas do comércio electrónico: que buscas rápidas e visitas a sites de comparação de preços proporcionam os melhores negócios.
A maior parte dos retalhistas online queixa-se que a falta de preços confunde os consumidores e oferece uma vantagem às grandes cadeias como a Wal-Mart, que não têm de carregar o mesmo fardo nas suas lojas. Dizem também que a prática de forçar preços mínimos nos anúncios espalhou-se gradualmente do negócio dos produtos electrónicos para empresas de outras indústrias, como as de material desportivo e ourivesaria, que estão também a tentar obstruir a tendência descendente dos preços online.
A Amazon recusou fazer comentários sobre o assunto, mas os sentimentos da empresa sobre a questão são públicos. “Os retalhistas como a Amazon têm o direito legal de estabelecer, independentemente, os seus próprios preços, mas alguns fabricantes colocam restrições à forma como esses preços podem ser comunicados”, lê-se numa explicação em páginas da Amazon com produtos sem preço marcado.
Alguns retalhistas online, como a Buy.com, dizem que as restrições à publicidade não afectaram visivelmente as vendas. Porém, a maioria das outras empresas de comércio electrónico protestam de forma veemente.
“Pensamos que os consumidores são melhor servidos quando o mercado do retalho é aberto e transparente, quando os retalhistas têm oportunidade de oferecer os melhores preços e serviços e não são controlados a partir de cima pelos fabricantes”, afirma Brian Bieron, director da eBay para as relações domésticas com o governo.
Os fabricantes, claro, têm uma visão diferente. Dizem que a competitividade da Internet abriu uma corrida aos preços mais baixos – com toda a gente, desde grandes empresas a vendedores de garagem, a oferecerem, vorazmente, produtos com desconto e até a venderem com prejuízo num esforço para capturar quota de mercado e atenção dos grandes motores de busca e dos sites de comparação de preços. Estão também preocupados com a possibilidade dos seus maiores parceiros de retalho poderem estar relutantes em coincidir os cortes de preço online e assim deixarem de vender os seus produtos de todo.
“Não existindo este jogo do empurra entre fabricante e retalhista, haverá a tendência natural de baixar o preço até ao zero”, afirma Wes Shepherd, director executivo da Channel Velocity, que vende software que permite às empresas fazer buscas na Internet à procura de violações dos acordos de marcação de preços.
A Southern Audio Services, sediada em Baton Rouge, Louisiana, estabelece o preço sugerido de retalho de 80 dólares (aproximadamente 60 euros) para os seus auscultadores Woodees Inner-Ear Stereo, embora o seu preço mínimo publicitado seja de 50 dólares (cerca de 37 euros). A maioria dos retalhistas online vende-os a cerca de 50 dólares, mas a Amazon cobra 48,40 dólares (35,60 euros), não colocando o preço na página do produto.
“Isto vai acabar por tornar-se numa corrida em direcção ao zero se nada for feito para lidar com o problema”, alerta Jon C. Jordan, director-executivo da Southern Audio Services. “Teremos então desvalorizado o produto ao ponto de ser difícil distribui-lo e os consumidores perderem o interesse nele.”
O campo de batalha pode mudar para Washington. Empresas como a eBay e a Amazon já pediram ao Congresso que anule alguns aspectos da decisão Leegin. Um projecto de lei que revogaria algumas disposições da decisão está a ser considerado pela Câmara dos Representantes. Em Outubro último, procuradores gerais de 41 estados escreveram uma carta aos membros do House Judiciary Committee (comité do Congresso que superintende a administração da justiça nos tribunais federais), argumentando que a decisão do Supremo Tribunal teve como resultado o aumento dos preços para os consumidores.
Tal como outros fabricantes de produtos, os livreiros foram também encorajados pela decisão Leegin. Pela sua parte, querem prevenir que os preços baixos nos livros electrónicos canibalizem as mais rentáveis vendas em papel e assim abalem os já instáveis alicerces de parceiros de retalho como a Barnes&Noble e a Borders.
Em vez de venderem livros por atacado a retalhistas como a Amazon.com, os livreiros querem vendê-los directamente, estabelecendo preços e fazendo com que o retalhista actue como agente, recebendo uma comissão fixa de 30 por cento. A Macmillan chegou a recentemente a um acordo deste tipo com a Amazon.com após uma prolongada disputa que levou a Amazon a remover, por pouco tempo, os livros electrónicos e físicos da Macmillan do seu site. Acordos com os outros grandes livreiros devem estar para breve.
Os livreiros “estão a utilizar um conjunto diferente de alavancas, e um vocabulário diferente, para obterem o que querem”, diz Scot Wingo, director executivo da ChannelAdvisor, que ajuda empresas a venderam online. “Mas o resultado é o mesmo. Os fabricantes estão, efectivamente, a controlar o preço que o consumidor vê na Internet.”