Os novos canais na economia de sempre
O ano não lembro exatamente, mas deve ter sido entre 2000 e 2001. A Fenasoft, tradicional evento realizado até hoje aqui em São Paulo, trazia para empresas e consumidores as novidades no campo da informática, grande febre em todos os segmentos exibindo máquinas e softwares de todos os portes e para todos os fins.
Naquela edição os novos portais provedores de acesso e conteúdo na WEB exibiam seu poder, e ocupavam enormes espaços no pavilhão do Anhembi. Lembro-me de ter visto com surpresa um deles distribuindo pequenas pizzas. Sim, pizzas, quentinhas e cheirosas para serem devoradas pelos visitantes enquanto percorriam os corredores do enorme pavilhão, e ainda que eu não entendesse o propósito daquilo fui lá buscar a minha.
Depois de alguma espera tinha o meu “disquinho” em mãos e a minha curiosidade satisfeita. Tratava-se da divulgação de um novo “produto” de um eloquente Portal: pizza em domicílio, com pedidos feitos no site e promessa de absoluta eficiência. Nem me coube ser cético com relação à veracidade de tal proposta, eu estava com fome e isso dirimia qualquer crítica com relação aos exageros da promessa. Aquilo era só mais uma prova do que todos diziam e alguns temiam: muito em breve a internet iria transformar o mundo e participar de todas as atividades da nossa vida.
Em 2000, quem estava no mercado lembra muito bem: as pessoas e as empresas viviam um verdadeiro frenesi em relação à internet, até que as ações das empresas cotadas na Nasdaq despencaram, o famoso estouro da bolha. Ainda assim, a sensação é de que as coisas passariam por um ajuste, e tudo a partir dali só faria sentido se estivesse devidamente representado numa URL conhecida e muito bem frequentada, mas pouca gente sabia realmente o que fazer com esse novo espaço. Num primeiro momento todos precisavam ter uma home page, um site institucional ou algo do gênero e, na sequência, ofertar e efetivamente vender seus produtos e serviços via web, e aí começavam os problemas. Pouca gente se deu conta em tempo, mas ter um site bem construído, com belo design e animações em flash não era garantia de sucesso. Construir um negócio bem sucedido ia (e ainda vai) muito além de construir um bom “site”, e esse foi o duro aprendizado das empresas ao longo da década passada, tanto para as tradicionais quanto para as que se dedicariam exclusivamente aos negócios pela WEB.
Dentro do universo virtual tudo avançava muito rapidamente. As audiências aumentavam, o acesso ficava mais rápido e barato, os recursos eram cada vez mais mágicos e atraentes. Tudo desenvolvido por “gênios” nascidos e criados neste mundo à parte, que cada vez mais parecia se distanciar da vida real, com cidades em universos paralelos, produtos digitais, relacionamentos virtuais, e por aí vai. Aos poucos, porém, esses mundos foram forçados a se encontrar. O tal universo virtual não prescindiu das necessidades verdadeiras de satisfação do usuário, que apesar do novo e dinâmico canal, continuava a ser o mesmo ser humano de sempre com cobranças de bom atendimento, entregas no prazo, produtos com qualidade e bem apresentados, preços competitivos, meios de pagamento confiáveis, e esses eram problemas insolúveis para jovens especialistas em programação e web design.
Questões tradicionalmente problemáticas no país como logística, formação de profissionais e gestão de estoques passaram a fazer parte desse novo universo de negócios, que foi forçado a amadurecer para sobreviver. Não demorou muito para a questão se ampliar e se inverter. As empresas tradicionais, que na grande maioria retardaram ao máximo a expansão de seus negócios para o plano digital, tiveram que finalmente se render e assimilar as novas práticas. Esse é um movimento que ainda está acontecendo, bem lentamente.
No varejo brasileiro, por exemplo, o montante negociado via web ainda não representa 3% do total negociado no varejo tradicional, o que evidencia a baixa adesão das empresas ao novo canal, mas é um quadro a caminho de se reverter. Nos Estados Unidos, o varejo digital já representa 8% do total, e aqui no Brasil as taxas anuais de crescimentos no setor tem se mantido entre 25% e 30% ao ano, contra números que raramente se distanciam do crescimento do PIB no varejo tradicional.
O fato é que o mundo mudou, mas o consumidor não, e as empresas bem sucedidas já sabem disso. Em recente estudo coordenado pela Ebeltoft para avaliar a qualidade e adesão das empresas de varejo em 22 países às práticas de cross channel, ou seja, ações coordenadas e complementares envolvendo vários canais de uma mesma empresa, verificou-se que em vários segmentos estas práticas já são sedimentadas e percebidas pelo consumidor como algo regular e desejado. No setor de moda e confecção, por exemplo, um dos menos desenvolvidos nesse sentido, já se pratica em 69% das lojas pesquisadas a devolução ou troca nas lojas físicas das peças compradas pelo site. Também em 38% delas já é possível comprar um item pelo site e retirar sem custo de frete na sua loja de preferência.
Nós participamos deste estudo com os dados de alguns varejistas locais, todos operando em vários canais com negócios bem sucedidos, mas ainda estamos longe de alcançar a mesma assertividade. São práticas que demandam conhecimento dos desejos e necessidades do consumidor, operações bem desenvolvidas e coordenadas e, acima de tudo, vontade de impor a sua própria proposta um padrão de excelência capaz de cativar e reter seus usuários e clientes. É preciso acreditar nisso, e se empenhar por isso, como uma saída para as armadilhas da guerra de preços e fretes indiscriminada e predatória das margens saudáveis.
É um longo caminho que se faz a passos cautelosos, mas é inevitável começar o quanto antes. Este é o padrão de comportamento do novo consumidor, alguém que espera da sua marca o máximo que ela puder lhe entregar e nos meios e canais que melhor lhe convier, com a qualidade e competitividade que ele sempre exigiu. Essa é a verdadeira nova economia, que se pratica em todos os canais, coordenadamente, preservando os valores que sempre foram caros ao consumidor, com agilidade e energia para ampliar sua oferta às novas facilidades, aderindo às práticas digitais e ao que mais for necessário para cativar o cliente.
Quanto à pizza via internet, já temos boas e eficientes opções de delivery que podem ser alcançadas pelo lap top e mesmo pelo smartphone, e convivem ainda com as encomendas por telefone, de longe ainda a opção mais popular. Não aquela que eu comi uma década atrás, essa durou pouco mais que o período da feira, mas ficou na conta do aprendizado. Tomara que tenha rendido dividendos também a quem pagou por essa experiência pioneira.
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